A delegacia vazia. Natal o povo esqueceu de denunciar os crimes de toda dia. Era isso ou sei lá. Chegou um rapaz, de uns 20 anos, com cabelo grande querendo fazer um B.O. Delegado estava tranquilo, dia pouco movimentado é mais fácil de ser polícia.
– Quero prestar queixa contra o meu pai.
– Qual o motivo?
– Ele bateu na minha mãe.
– Que canalha. Qual o nome dele?
– Papai Noel.
Delegado mandou prender o rapaz. Aquela brincadeira de mau gosto. Essa juventude desrespeita as autoridades. É preciso limite. Cacetetes. Porrada policial pra educar. Raivara.
Esfriou a cabeça, voltou pra mesa. Uma senhora entrou na sua sala. Ela com cabelos brancos, toda de vermelho, um ralado no braço ensaguentado. Delegado sensibilizado, perguntou com carinho especial.
– Ó minha senhora. O que aconteceu?
– Apanhei do meu marido.
– Santo Deus. Por que ele fez isso?
– Não quis chamá-lo de Papai.
– Cada homem autoritário! Qual o nome desse safado?
– Noel.
Uma senhora dessa idade de pegadinha? Delegado irado esbravejava. Que mundo. Que época. A família perdeu o sentido. Cadê a moral e os bons costumes? Senhora foi detida e de lá ainda tinha a audácia de gritar:
– Quero ligar pro meu duende advogado!
Na sala do delegado agora, cinco pessoas. Sem cerimônia.
– Somos vizinhos de um homem frio. Espanca a esposa, escuta funk num volume ensurdecedor, e nos ameaçou de morte.
– Só falta me dizer que é o Papai Noel.
– Ele mesmo.
A fúria tomou conta do Chefe da Lei. Além de presos, os cinco tiveram de registrar um BO. Delegado passou cópia do BO nas redes sociais. Ridicularizou. Estava rindo de algum comentário sarcástico quando entra um senhor na sala.
De barba branca, gordo, roupa vermelha. A cada fala dizia Ho Ho Ho. Do saco vermelho tirava presentes para os polícias de plantão. Duendes o acompanhavam e lá fora as pessoas admiravam o trenó no estacionamento.
Delegado chorou a decepção mais profunda de sua vida. Soluçando, anunciou a agonia do filho confuso:
– Papai, papai. Você tem outra família?!
O velho sem graça apenas ria. Ho Ho Ho.